O ar condicionado é um aliado ou um vilão na prevenção da disseminação do coronavírus?

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Contador de colônias de fungos. Equipamento que faz a leitura das placas coletadas para análise (Foto: Christiane Lacerda, GHS)

Fonte: Jornal do Brasil

Qual o nível de confiança que você tem quando entra em um local com ar condicionado? O sistema de climatização (ar condicionado) vem a público como a grande dúvida no auxílio da prevenção da disseminação do Coronavírus ou num meio transmissor dele. Mas afinal, o ar condicionado é um aliado ou vilão?

A falta de acompanhamento da fiscalização, desde o início do projeto e das instalações da obra, inclusive em relação ao PMOC – Plano de Manutenção, Operação e Controle -, criou um mercado frágil e desconhecedor das técnicas necessárias à garantia da boa qualidade do ar interno e do funcionamento adequado do sistema de climatização como barreira à proliferação microbiológica nestes ambientes.

E parece que a frase de Henry Ford, “qualidade significa fazer certo quando ninguém está olhando”, não é pensamento comum a todos os empreendedores. Desde 1998, há no mercado inúmeros questionamentos em relação à veracidade legal destas normativas, levando o foco apenas à falta de fiscalização das mesmas, transformando os cenários em cumprimento e protocolo de “papéis” e nada mais. A falta de fiscalização permitiu que empresas instalassem equipamentos sem a mínima garantia do controle da qualidade do ar interior ou da renovação do mesmo. Onde qualquer pessoa, mesmo não qualificada legalmente, realiza instalações, manutenções e até mesmo avaliações, sem possuir capacidade ou licença para tanto.

Um sistema adequado de climatização não é construído da noite para o dia. Não para a grande maioria das empresas. O descaso do Estado como órgão fiscalizador, associado à condição natural humana de burlar regras que não o leve a multas, fez com que um número potencial de empresas instalasse sistemas ineficientes no controle de contaminantes em ambientes confinados, não permitindo, nesse momento, a adoção de ações mínimas de mitigação, como renovação do ar interno, por exemplo.

Splt com muito mofo (Foto: Christiane Lacerda, GHS)
Grelhas (saídas de ar) retiradas para inspeção interna dos dutos (Foto: Christiane Lacerda, GHS)
Grelhas (saídas de ar) retiradas para inspeção interna dos dutos (Foto: Christiane Lacerda, GHS)

O tema não é tão recente assim. Há pelo menos 22 anos, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 3523, em 28 de agosto de 1998, trazendo a conhecimento público as necessidades básicas para qualquer edificação sobre os procedimentos de manutenção, operação e controle dos sistemas de condicionamento do ar. Era o pontapé inicial na exigência que o mercado vinha apresentando em garantir a boa qualidade do ar aos ocupantes de ambientes gerenciados e mantidos por outras pessoas.

Em tempos de incerteza e insegurança como este que estamos vivenciando surgem algumas questões que, até então, passariam despercebidas pela maioria da população, mas que, agora, passam a ser fatores fundamentais para garantia da saúde e da vida.

Então o ar condicionado é importante sim, de uma forma geral, para o bem estar da população e controle de agentes contaminantes, mas precisa ser corretamente instalado e bem cuidado. Em conversa com Ricardo Salles, empresário e vice-presidente da ACRJ – Associação Comercial do Rio de Janeiro, fica claro o entendimento que “isso não é um peso a mais para o empresário, mas sim uma questão de equidade de competição e responsabilidade com o público, com os clientes. Estamos em um novo Brasil, onde a ética e as regras de integridade devem reger as organizações”.

Bandeja coletora de água condensada de um condicionador de ar, com presença de limo bacteriano por falta de manutenção (Foto: Christiane Lacerda, GHS)

Devemos então aproveitar o momento atual para corrigir o que foi construído de forma errônea e criar hábitos de manutenção e controle eficazes, que garantam menor impacto caso apareça novo microrganismo oportunista no futuro. Afinal, o COVID-19 é um vírus que apresenta baixas taxas de mortalidade; porém, outros tantos como sarampo e H1N1 continuam a coexistir mais próximo do que imaginamos. E não há como saber como nosso sistema imunológico estará respondendo naquele determinado dia que encontrarmos um patógeno pela frente, portanto é preciso confiar “cegamente” no responsável pelo ambiente que estamos frequentando, até porque o ar e os microrganismos, vírus e bactérias não são visíveis.

Nesse sentido, torna-se imprescindível uma forma de avaliação e qualificação dos que fazem corretamente a lição de casa. Não é justo ao empreendedor que executa corretamente toda instalação de climatização e, portanto, tem um custo maior em sua obra, competir de forma igualitária aos que burlam o sistema por um custo menor, sem dar a devida importância à saúde de seus clientes ou colaboradores.

Como as autoridades tratarão este tema a partir desta pandemia? Vamos acompanhar e cobrar.

Se ficaram dúvidas, comentem: christiane@ghsbrasil.com

Christiane Lacerda é Engenheira Química formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Especialista em Qualidade do Ar e Poluição em Ambientes Interiores formada pelo PECE/USP; Especialista em Tratamento Químico de Sistemas de Resfriamento à Água, com mais de 20 anos de experiência na área; Especialista em tratamento químico e ensaios laboratoriais de águas, ar e efluentes; Presidente da ABEMEC-RJ; Coordenadora do Departamento Estadual de Qualidade do Ar Interior e Diretora de Marketing do Sindratar RJ; Membro ASHRAE; Diretora Técnica na GHS Indústria e Serviços Ltda.

Segunda parte: ar condicionado,

aliado ao vilão na prevenção da

Covid-19?

 

Segunda parte: ar condicionado, aliado ao vilão na prevenção da Covid-19?o de modelo Split não renova o ar ambiente e pode ser prejudicial à saúde (Foto: Reprodução)

Continuando a reportagem publicada ontem, sobre a influência do sistema de ar condicionado em tempos de disseminação do Coronavírus, e na qualificação do mesmo como um aliado ou vilão, escolhas erradas podem afetar nessa questão.

Aparelhos conhecidos como Split têm sido instalados indiscriminadamente, em muitos casos sem projetos e atendimento às leis, normas e recomendações da Anvisa. São muito comuns em ambientes como residências, restaurantes, salões de beleza, lojas, clínicas de atendimento médico, escolas e, pasmem, em hospitais.

Ocorre que em todos esses locais, se não houver a instalação de um sistema de captação de ar externo adequado, o ar não sofre nenhuma renovação, criando uma condição insegura à qualidade do ar interno. Se pensarmos nas atividades da cozinha de restaurantes, onde a queima de gás pode ser incompleta, gerando monóxido de carbono ao ambiente, ou mesmo na quantidade de compostos químicos voláteis existentes nas substâncias utilizadas em salões de beleza, por exemplo, vemos a urgência na renovação do ar interior com riscos significativos à saúde dos que ali respiram.

O sistema de condicionamento de ar pode ser um aliado importante quando corretamente instalado e mantido dentro das condições adequadas de higiene e operação. Entretanto, caso essas rotinas sejam negligenciadas, o acúmulo de particulado e matéria orgânica também pode torná-lo um meio propício para crescimento de microrganismos, os quais poderão acarretar doenças aos usuários desses ambientes.

Na verdade, em relação apenas ao Covid-19, o sistema de climatização não irá eliminar a presença do vírus no ambiente, apenas pelo seu sistema de filtragem ou pelo controle de umidade e temperatura. A menos que seja instalado um dispositivo de desinfecção contínua, o ar insuflado não será suficiente para conter a contaminação no ambiente.

Mas precisamos ampliar o horizonte e pensar que partículas podem transportar o vírus (ainda que baixa probabilidade), que ele pode infectar bactérias (e manter-se ativo e viável por mais tempo) e, o mais importante, estudos já indicam que os pacientes que estão se recuperando da doença apresentam certa deficiência na capacidade pulmonar. E, assim, ambientes comprometidos poderão ser ainda mais perigosos a essas pessoas num futuro próximo.

Algumas normas técnicas foram publicadas pela ABNT, no intuito de agregar conhecimento à manutenção e operação desses sistemas, dentre as quais destacam-se:

NBR 16401:2008 – “Instalações de ar condicionado – Sistemas centrais e unitários”.

NBR 15848:2010 – “Sistemas de ar condicionado e ventilação – Procedimentos e requisitos relativos às atividades de construção, reformas, operação e manutenção das instalações que afetam a qualidade do ar interior (QAI)”

NBR 14679:2012 – “Sistemas de condicionamento de ar e ventilação — Execução de serviços de higienização”

NBR 16101:2012 – “Filtros para partículas em suspensão no ar — Determinação da eficiência para filtros grossos, médios e finos”

ABNT NBR 13971:2014 – “Sistemas de refrigeração, condicionamento de ar, ventilação e aquecimento — Manutenção programada”

ABNT NBR 7256:2005 – “Tratamento de ar em estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) – Requisitos para projeto e execução das instalações”

Os estudos ainda são muito recentes e as descobertas científicas vêm se apresentando conforme as pesquisas são desenvolvidas. Mas com base no material que já temos é possível garantir que a manutenção do sistema de climatização será ainda mais impactante num futuro bem próximo.

Pena que a cultura de manutenção preventiva esteja vindo pela dor e não pelo amor. Estamos sentindo na carne as consequências do profissional irresponsável que realizou uma instalação sem os devidos cuidados e conhecimentos técnicos necessários.

O prof. Humberto Mota Filho, advogado especializado em Direito Empresarial e Compliance, presidente da Comissão da Transparência Pública da OAB RJ, ressalta a importância da integridade nas relações comerciais. “Se você não consegue mensurar os riscos, tudo vira incerteza. Precisamos evitar isso, precisamos derrotar a epidemia da desconfiança e o vírus Covid-19 simultaneamente. Assim poderemos seguir o Plano de Contingência de forma mais efetiva. É preciso criar e manter a cultura da integridade. Precisamos acabar com a visão de certos empresários que não enxergam que na sociedade de risco, compliance não é perfumaria, mas sim oportunidade!”

Sendo assim, importante ressaltar que a escolha é do consumidor. Ele pode optar em ter no ar condicionado um aliado ou, simplesmente, ignorá-lo e criar um “monstro”. É preciso ser responsável e coerente nas operações. Cobrar assiduamente ações fiscalizadoras dos órgãos competentes, para que se possa, enfim, acreditar no ar que se respira.

Como afirma o empresário e colunista do JB Ricardo Salles, apontando o norte na colaboração ativa, “Hoje, todos somos fiscais, cada cidadão que desconfie da qualidade do ar da empresa onde trabalha, do restaurante onde almoça, da escola onde seu filho estuda, do cinema que vai ou de qualquer outro estabelecimento, deve registrar (fotografar/filmar) e denunciar para averiguação, mesmo que anonimamente, ao Ministério Público.”

A seguir os links: no Rio de Janeiro – MPRJ, em São Paulo – MPSP ou pelo telefone 127 em todo território nacional.

 

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