Homens recorrem ao congelamento de sêmen para adiar paternidade

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Procedimento mantém a qualidade do material genético por décadas


Por Ludmilla Souza - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

Procedimento comum entre as mulheres, o congelamento de óvulos permite que o sonho de ser mãe possa esperar mais um pouco. Já o congelamento seminal vai além, pois o sêmen congelado pode ficar armazenado por décadas, aguardando para a paternidade se tornar realidade.

“Há alguns anos as pessoas estão adiando a paternidade e a maternidade, principalmente focando na parte profissional e até mesmo na qualidade de vida, acham que podem adiar um pouco para ter os filhos e isso é muito comum. Os casais que nos procuram serão pais muito mais velhos que foram nossos pais e isso é uma tendência da sociedade em geral”, observa o médico especialista em urologia da Huntington Medicina Reprodutiva, Guilherme Wood.

No entanto, para a maioria dos homens que optam pelo congelamento seminal, o procedimento é uma opção para preservar a qualidade dos espermatozóides antes de uma cirurgia complexa, para aqueles que têm alguma doença ou, mais comumente, e para os que realizarão um tratamento de câncer, explica Wood.

“A maioria dos homens que fazem o congelamento seminal são aqueles que vão passar,  por exemplo, por um tratamento de câncer e que sabe que terá piora da qualidade do sêmen depois do tratamento, ou pacientes que vão passar por alguma cirurgia”.

No caso do publicitário Fábio Fernandes, de 46 anos, ele descobriu uma varicocele [dilatação das veias que drenam o sangue testicular devido à incompetência das válvulas venosas, associada ao refluxo venoso] ao tentar ter mais um filho com a segunda esposa. “Tive uma filha em 2005 no primeiro casamento. Em 2011 casei novamente e a partir de 2017 tentamos engravidar. Já nos primeiros exames descobrimos uma varicocele não tratada. Descobrimos que eu tinha uma azoospermia atípica”.

Ele fez duas cirurgias de varicocele, em 2017 e em 2019. “O resultado foi ótimo, permitiu o congelamento de um sêmen de excelente qualidade, mas nesse período não fizemos congelamento de óvulos e agora seguimos com dificuldades, provavelmente pela idade da minha esposa, que tem 38 anos hoje”, relata.

Fábio considera importante conscientizar os homens sobre o congelamento. “A  exemplo do que tem sido feito com as mulheres em relação aos óvulos, os urologistas muitas vezes não esclarecem aos homens os riscos de infertilidade de uma varicocele no início”, lamenta o publicitário.

No momento, Fábio e a mulher têm dois embriões congelados, e estão avaliando se seguem tentando ter mais ou se partem para a implantação. “O material segue congelado e é preparado como “stand by“, ou seja, uma reserva a cada tentativa de fertilização que fazemos. Nas cinco feitas até agora o sêmen à fresco segue dentro dos parâmetros normais, então a reserva congelada não precisou ser utilizada”.

Na opinião do paciente, é importante conscientizar os homens sobre a fertilidade masculina. “Acho de maior interesse público, como o nosso caso, é que médicos e pacientes têm que estar mais conscientes da necessidade de discutir o congelamento dos gametas de pessoas, casadas ou não, que desejam ser mães e pais um dia. A falência da produção de óvulos é programada, mas a dos espermatozóides também pode acontecer,  por uma “simples” varicocele, stress térmico ou por outros fatores que a ciência não domina”.

Diferenças entre o congelamento de óvulos e de sêmen

O médico Guilherme Wood ressalta as diferenças entre o congelamento de óvulos e de sêmen. “As mulheres têm um relógio biológico que é implacável, porque elas já nascem com os óvulos semi prontos, vamos dizer assim, e eles vão amadurecendo a cada ciclo menstrual. E em cada ciclo, ela está perdendo óvulos que ficarão mais velhos e vão diminuindo em quantidade. Quando ela passa dos 37, 38 anos, a fertilidade dela cai com muita velocidade e vai se tornando cada vez mais difícil conseguir engravidar tanto naturalmente e até mesmo por tratamento de reprodução. E quando chega a menopausa, ela não vai mais conseguir engravidar com óvulos próprios”, pontuou Wood.

Nos homens, é muito diferente, o médico detalha. “Os homens produzem espermatozóides durante toda a vida, a não ser que haja um problema testicular, ou outra causa, mas se não houver nenhum problema, um homem de 90 anos continua produzindo espermatozóides todos os dias, então ele é capaz de alcançar um gestação na mulher”.

O que não significa que a qualidade seminal seja a mesma sempre, frisa o médico. “A maioria dos trabalhos científicos diz que a partir dos 45 anos começa a ter mais risco de algumas doenças neurológicas nos filhos de pais mais velhos, como autismo e esquizofrenia. Não é um aumento muito relevante, mas existe sim esse risco aumentado em filhos de pais que tem mais de 45 anos”.

Um dos estudos mais recentes, “Efeito da idade paterna nos defeitos congênitos da prole: uma revisão sistemática e meta-análise”, indicou que a idade paterna está associada a um aumento moderado na incidência de anomalias urogenitais e cardiovasculares, deformidades faciais e distúrbios cromossômicos.

Idade para congelar o sêmen

Ainda não é comum os homens congelarem sêmen por serem jovens, completa o especialista. “Diferentemente das mulheres, que cada vez mais optam por congelar os óvulos quando estão chegando numa idade em que elas ainda não querem engravidar, mas querem preservar sua fertilidade, nos homens isso é muito menos definido. Mas sabemos que a partir dos 45, 50 anos, a maioria dos trabalhos científicos mostra que pode haver um maior risco de doenças associadas a filhos de pais mais velhos”, frisou.

Esse corte por idade para os homens é bem mais alto do que para as mulheres, já que para elas  o recomendável é congelar óvulos até 35 anos. “Geralmente o congelamento seminal é feito por motivo de doenças, mas se fosse para pensar numa data específica eu diria que 40 a 45 é a época ideal para congelar o sêmen, pensando em ter filhos com sêmen mais jovem”, recomenda o médico.

Custos 

Os homens que desejam realizar o congelamento seminal precisam desembolsar cerca de R$3 mil para o procedimento e depois R$100 mensais para manter o material genético congelado. Ainda assim, o procedimento tem o custo bem menor que o congelamento de óvulos, que custa cerca de R$ 15 mil (valor para estimulação ovariana, coleta e congelamento), além do valor de manutenção dos óvulos congelados, cerca de R$ 1000 por ano.

“O congelamento de sêmen não é um procedimento caro, ao contrário do congelamento de óvulos que envolve medicações caras e procedimentos cirúrgicos para coleta dos óvulos. A coleta de sêmen é muito fácil, é uma coleta realizada por masturbação. A taxa do congelamento seminal varia em torno de R$3 mil e a mensalidade cerca de R$100 por mês para manter esse sêmen congelado. O sêmen congelado se preserva por décadas, temos amostras seminais muito antigas que já foram descongeladas e que mantém sua qualidade”, considera o especialista.

As amostras de sêmen são criopreservadas – mantidas em solução crioprotetora – em containers de nitrogênio líquido à 196ºC negativos e permanecem armazenadas por tempo indeterminado.

Na avaliação de Wood, a procura por congelamento seminal é igual entre casais homoafetivos  e heteroafeitvos. “Não reparo essa demanda maior entre homoafetivos. Porém o tratamento dos casais homoafetivo é bem mais complexo quando são dois homens, porque envolve uma terceira pessoa, o casal vai precisar de um útero de substituição, que é o nome mais correto para a barriga de aluguel, então vai ser preciso uma mulher que vai gestar esse filho,  é um tratamento que é muito mais caro e trabalhoso para este casal do que quando é um casal homoafetivo feminino”.

Legislação

No Brasil, segue-se a RDC 23/2011,  e as normativas do Conselho Federal de Medicina, que atualizou recentemente as normas para utilização das técnicas de reprodução assistida no Brasil.

De acordo com a legislação vigente no Brasil, os homens que desejam congelar, ou mesmo doar seus espermatozóides, devem passar por uma bateria de testes para marcadores de doenças infecto-contagiosas.

“É obrigatória a realização de uma triagem sorológica que inclui, por exemplo, hepatite B e C, HIV, HDLV, [entre outros]. Esses pacientes também fazem a sorologia para o vírus Zika, que ainda está vigente. É feita essa triagem e aqueles indivíduos que têm uma triagem negativa passam pela coleta dos espermatozoides. O congelamento dos espermatozóides geralmente utiliza a técnica de nitrogênio liquido”, detalhou o chefe do Departamento de Infertilidade Masculina da Sociedade Brasileira de Urologia Seccional de São Paulo, o urologista Sandro Esteves.

Pacientes que querem congelar para preservar seus espermatozóides tem que fazer as sorologias obrigatórias pela RDC 23, “mas é só para a rotina de armazenamento”, explicou o urologista Guilherme Wood. “As amostras de pacientes com sorologia positiva são tratadas de forma diferente, elas são armazenadas em tanques separados”, completou o especialista.

Esteves ressaltou que a RDC não limita a idade do paciente que queira congelar seu próprio sêmen. “Não tem um limite de idade quando o paciente quer congelar sêmen, mas sabemos que homens com mais de 45 anos têm um queda na qualidade dos espermatozoides, inclusive queda na qualidade do material genético que poderia aumentar o risco de desfechos adversos, inclusive alguns estudos indicando um potencial risco de defeitos na prole”, reforçou o urologista.

Edição: Aline Leal

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